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TextoComitê Científico

A primeira infância no centro do enfrentamento da crise climática

Jun 2025
Desenvolvimento infantilDesigualdades sociais

Este working paper reúne evidências nacionais e internacionais sobre os impactos de eventos extremos no desenvolvimento infantil, compreendendo que uma abordagem colaborativa e centrada na equidade é o caminho para enfrentar a emergência climática e, ao mesmo tempo, proteger o desenvolvimento das crianças.



O material também oferece subsídios técnicos para a tomada de decisão e a qualificação de políticas públicas, orientando ações eficazes que protejam as crianças dos efeitos adversos dos fenômenos climáticos extremos e promovam um presente e um futuro mais sustentáveis e menos desiguais.

Proteger a primeira infância diante da crise climática exige políticas públicas integradas e sensíveis às necessidades das crianças e suas famílias. Sem ação coordenada, meninas e meninos brasileiros seguirão expostos a riscos que comprometem seu desenvolvimento.

Conceitos-chave

A publicação traz alguns conceitos-chave essenciais para aprofundar no tema da primeira infância no centro do enfrentamento à crise climática.

Políticas públicas integradas

Proteger os direitos das crianças e promover um desenvolvimento integral exige que elas sejam prioridade no orçamento público e nas políticas climáticas, com escuta às famílias e implementação de ações intersetoriais responsivas às necessidades das múltiplas primeiras infâncias brasileiras.

Crise climática

Conjunto de eventos naturais cujos efeitos são intensificados pela ação humana, afetando a biodiversidade e prejudicando, em especial, pessoas em situação de vulnerabilidade.

Eventos climáticos extremos

Diz respeito a eventos como erosão do solo, secas prolongadas, incêndios florestais, deslizamento de terra, chuvas intensas e inundações, que são agravados pela queima excessiva de combustíveis fósseis. Essa intervenção intensifica o efeito estufa, aquece o planeta, altera o ciclo da água e o derretimento das calotas polares.

Racismo ambiental

Ocorre quando os impactos negativos de decisões políticas, econômicas e urbanas — como falta de saneamento, exposição à poluição ou riscos climáticos — recaem desproporcionalmente sobre populações negras, indígenas e periféricas, mesmo que não haja intenção discriminatória nessas ações.

Estresse térmico

É causado por calor intenso e prolongado, podendo levar à exaustão, insolação e até falência de órgãos. Bebês são mais vulneráveis ao estresse térmico, pois não conseguem se hidratar sozinhos.

Raio-X da publicação

No Brasil, a faixa etária de 0 a 6 anos representa 18,1 milhões de pessoas, o equivalente a 8,9% da população. Estima-se que 40 milhões de crianças e adolescentes brasileiros enfrentam ao menos um tipo de risco climático — sendo que 1,1 milhão convive com a escassez de água.

Mundialmente, quase 1 bilhão de crianças estão expostas a riscos climáticos extremos, gerando um cenário que fragiliza o vínculo dos pequenos com seus cuidadores e compromete seu desenvolvimento integral. 

Alguns dos efeitos imediatos da crise climática para a vida das crianças são:

Eventos naturais extremos triplicaram nos últimos 20 anos no Brasil e, em todo o mundo, estima-se que crianças nascidas em 2020 enfrentarão 6,8 vezes mais ondas de calor em relação às nascidas em 1960.

Secas, erosão do solo, chuvas intensas e inundações são alguns dos eventos climáticos extremos vividos ao redor do Brasil — um exemplo é a tragédia climática vivida após as enchentes ocorridas em 2024 em 470 municípios no Rio Grande do Sul, que demandaram ações emergenciais em longa escala.

Fonte: Fiocruz, 2024

Efeitos interseccionais das mudanças climáticas na primeira infância

No Brasil, cerca de 8,1 milhões de crianças de 0 a 6 anos estão em situação de pobreza ou extrema pobreza (com renda mensal familiar per capita de até R$ 218). Dessas, 33,6% integram famílias monoparentais, chefiadas por mulheres negras sem ensino médio completo.

Esse recorte evidencia como a vulnerabilidade vivenciada por determinadas populações é agravada por um casamento de diferentes fatores, como raça e etnia, status econômico, condições de moradia e acesso a serviços de saúde e educação. Os efeitos da crise climática são maiores entre crianças negras e indígenas, pois eventos extremos intensificam desigualdades estruturais desde a gestação até a fase adulta.

Reflexos sistêmicos

A crise climática atravessa diferentes aspectos da vida em sociedade. Para enfrentar os efeitos dela na primeira infância, é preciso compreender essa complexidade.

  • Uma em cada quatro crianças no mundo vive em pobreza alimentar grave devido a desigualdades, conflitos e mudanças climáticas;
  • Em 2024, cerca de 1,18 milhão de crianças e adolescentes tiveram as aulas suspensas no Brasil, principalmente por alagamentos;
  • O calor extremo prejudica a concentração e o desempenho escolar. Além disso, eventos climáticos danificam infraestruturas de escolas, elevando o risco de abandono dos estudos;
  • Deslocamentos e migrações temporárias podem separar crianças de pais e cuidadores, reduzindo seu tempo de cuidado.

Os prejuízos globais podem chegar a US$ 38 trilhões/ano até 2050, seis vezes o custo de limitar o aquecimento a 2 °C. Além disso, os impactos da crise climática também impactam pessoas adultas, podendo apresentar doenças crônicas, déficits cognitivos e instabilidade econômica.

Recomendações baseadas em evidências

A incorporação da agenda climática nas políticas para a infância exige ações concretas que garantam a manutenção dos serviços essenciais mesmo em situações de emergência. Essas medidas precisam estar integradas por uma lógica intersetorial, superando a fragmentação entre os diferentes órgãos governamentais.

Para que sejam efetivamente responsivas às necessidades das crianças, as ações devem se orientar pelo modelo do cuidado integral (nurturing care framework) estabelecido pela Organização Mundial de Saúde, o Banco Mundial e o Unicef. Ele se debruça em cinco domínios: boa saúde, nutrição adequada, segurança e proteção, aprendizado precoce e cuidados responsivos.

Ampliação da atenção primária

Mantenha foco na prevenção, nutrição e imunização, com vigilância e resposta rápida a ondas de calor e inundações, evitando surtos de doenças vetoriais como dengue, zika, malária e diarreia.

Combate à insegurança alimentar

Promova políticas públicas baseadas na agroecologia e na agricultura familiar, integrando essas ações a programas de transferência de renda, como o Bolsa Família.

Segurança e proteção da primeira infância

Priorize o reassentamento digno de famílias com crianças pequenas em áreas de risco iminente devido a deslizamentos, enchentes ou ilhas de calor.

Aprendizagem adaptada ao clima

Estabeleça zonas de resfriamento nas pré-escolas e creches, com ventilação adequada, áreas verdes e sombra para proteção em dias muito quentes e redução da temperatura média.

Cuidados responsivos

Valorize a escuta qualificada e a participação das crianças em ações de prevenção e preparação para desastres, de forma lúdica e respeitosa.

Para mais recomendações, acesse o conteúdo completo

Autoras

Alicia Matijasevich

Professora associada do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). É médica pediatra, com mestrado e doutorado em Epidemiologia (Universidade Federal de Pelotas) e pós-doutorado em Medicina Social (Universidade de Bristol). É integrante do Comitê Científico do NCPI.

Gabriela Dominicci de Melo Casacio

Fisioterapeuta, mestre e doutoranda em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP). Realizou parte de seus estudos em Harvard, aprofundando-se nas questões sobre o desenvolvimento e a saúde de crianças em situação de vulnerabilidade, em especial em contextos migratórios em regiões de fronteira internacional.

Manuella Fantauzzi Franco

Fisioterapeuta e mestre em Saúde Coletiva pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), onde desenvolveu pesquisa sobre os efeitos da poluição atmosférica na saúde humana. Dedica-se aos impactos das mudanças climáticas no Clube Brasileiro de Saúde Planetária e no Projeto Girawa.

Marcia Castro

Professora e chefe do departamento de Saúde Global e População da Universidade Harvard, além de diretora do Programa de Estudos Brasileiros do David Rockfeller Center for Latin American Studies da mesma instituição. É integrante do Comitê Científico do NCPI.

Revisão técnica

Comitê Científico do Núcleo Ciência pela Infância

Grupo de pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento que se reúnem para sintetizar evidências científicas, colaborando assim com o fortalecimento de políticas voltadas ao enfrentamento dos principais desafios encontrados pelas primeiras infâncias no país.

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