A violência é um fator de risco ao desenvolvimento da criança. Ela pode ocorrer em diferentes ambientes, públicos ou privados, e as estatísticas mostram que os grandes agentes da violência contra crianças são, paradoxalmente, os adultos responsáveis pelos cuidados delas.
É um problema de múltiplas dimensões e que precisa ser enfrentado. Este working paper reúne evidências para orientar a efetividade e a sustentabilidade de políticas públicas voltadas à garantia dos direitos das crianças e ao combate à violência contra elas.
A violência é um grave problema mundial que afeta a vida de um bilhão de crianças, com consequências emocionais, sociais e econômicas de longo prazo e alto custo para os governos
Conceitos-chave
A publicação traz alguns conceitos-chave essenciais para aprofundar entendimento do tema de prevenção de violência contra crianças no contexto de políticas públicas.
A violência como fenômeno social
A violência contra crianças é um fenômeno social em que se deve considerar o papel da sociedade civil e do Estado na produção desses tipos de violação no ambiente familiar. Assim, fatores do contexto socioeconômico precisam ser levados em conta na gênese das violências contra crianças, pois, se existem violências que afetam as famílias, elas afetam automaticamente as crianças.
Violência não letal
O número de registros criminais de violência não letal contra crianças e adolescentes (0 a 17 anos) em 2021 foi de 93.874 no Brasil. Esses crimes incluem abandono de incapaz, abandono material, maus-tratos, lesão corporal em contexto de violência doméstica, estupro, pornografia infantojuvenil e exploração sexual.
As estratégias de parentalidade
As estratégias de parentalidade abrangem componentes específicos e estilos globais de como educar as crianças. Incluem-se aí as interações entre os pais e as crianças, o senso de competência parental, as práticas parentais e os estilos parentais.
Programas centrados na parentalidade
Programas de intervenção centrados na parentalidade ajudam a prevenir a violência contra crianças na medida em que aumentam a compreensão dos cuidadores sobre o desenvolvimento infantil, diminuem o estresse parental e melhoram as práticas parentais com estratégias de disciplina positiva. Essas intervenções se refletem nas crianças reduzindo os impactos da coerção e os problemas de comportamento, bem como melhorando seu funcionamento emocional e comportamental.
Estresse Tóxico
Ocorre quando a criança vivencia adversidades por um longo período sem o suporte de um adulto. O estresse tóxico pode interromper o desenvolvimento saudável do cérebro e de outros sistemas do corpo, aumentando o risco de uma série de doenças.
Raio-X da publicação
Segundo dados do disque denúncia, em 2021, foram registradas 30.604 denúncias de violação de direitos humanos – envolvendo uma vítima e um suspeito – de crianças de 0 a 6 anos no Brasil. Em 2022 – quando já se superava a fase aguda da pandemia – apenas no primeiro semestre, foram 25.377, com uma média diária de 139 denúncias. Importante mencionar que os dados de violência contra crianças podem estar subnotificados e, portanto, podem ser piores do que os registros oficiais.
Tipos de violência: Não letal
“>O anuário brasileiro de segurança pública 2022 revelou que os principais tipos de violência não letal, em ordem da maior para menor ocorrência, são: estupro, em primeiro lugar, maus tratos, em segundo, e lesão corporal em violência doméstica, em terceiro.
Os indicadores brasileiros relacionados a estupro de vulnerável (0 a 13 anos) são alarmantes:
“>Os indicadores relativos aos maus tratos também são preocupantes. O pico etário das vítimas está entre as crianças de 6 anos. A faixa etária entre 0 e 4 anos representa 26% do total, um dado muito grave, pois nesta fase as crianças têm dificuldade de reagir e se queixar com outro adulto sobre a violência que sofrem.
Tipos de violência: Letal
“>As mortes violentas intencionais de crianças e adolescentes somaram 2.555 registros criminais em 2021. Em se tratando do perfil das vítimas, na faixa etária de 0 a 11 anos, nota-se o predomínio de meninos (58,9%) e de vítimas de raça negra (66,3%).
Danos físicos: Além das lesões físicas como machucados, queimaduras, cicatrizes e hematomas, também podem desencadear traumas emocionais.
Estresse tóxico: Pode gerar alterações fisiológicas e psicológicas, potenciais prejuízos à memória, ao aprendizado, às emoções e ao sistema imunológico e pode contribuir para o surgimento de doenças crônicas. O racismo também é uma fonte estressora para as crianças.
Mudanças de comportamento: Agressividade, problemas de atenção, hipervigilância, ansiedade, depressão, problemas de adaptação escolar e problemas psiquiátricos.
Soluções
São diversas as formas de combate à violência: atuação intensa em prevenção, qualificação de profissionais da linha de frente (como professores e médicos), protocolos de atuação intersetorial, fortalecimento das redes de proteção integral (creches, hospitais, entre outros), fortalecimento dos sistemas de denúncia, aplicação estrita das leis de proteção às crianças e a desnaturalização e intolerância com a violência contra crianças, bem como o investimento em programas de parentalidade para os cuidadores principais.
Recomendações baseadas em evidências
É necessária uma atuação conjunta entre os gestores públicos para a quebra do ciclo intergeracional da violência, com atuação focada em diferentes aspectos.
Problemas já existentes
Priorize resolver com urgência as questões de violência contra a criança já instaladas
Prevenção da violência
Incentive e implemente programas – que tenham base em evidências científicas – no contexto familiar e em diferentes setores (educação, saúde, proteção social e justiça)
Leis de proteção da criança
Siga as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente, Marco Legal da Primeira Infância, entre outros
Políticas públicas intersetoriais
Proponha e faça a gestão de forma articulada e sistêmica, com integração de dados e ações
Campanhas
Promova ações de proteção às crianças e de combate à violência contra elas
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Autores
Maria Beatriz Martins Linhares
Professora associada sênior do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), coordenadora do Lapredes e pesquisadora sênior do CNPq, além de integrante do Comitê Científico do NCPI
Revisores técnicos
Elisa Rachel Altafim
Professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Mental da FMRP-USP
Rebeca Cristina de Oliveira
Psicóloga e desenvolve pesquisas junto ao Lapredes – FMRP-USP
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